domingo, 27 de fevereiro de 2011

Um Delírio VI

Peder Mork Monsted

(Continuação)


A porta fechou-se com violência
Voltei-me rapidamente.
José encontrava-se à minha frente.
Recordei a primeira vez que nos vimos.

Tinha pouco mais de 10, 11 anos quando conheci o José.
Era uma altura em que nada me fazia mais feliz do que ler, brincar, descobrir. Os livros da biblioteca itinerante, as brincadeiras solitárias, as descobertas pelos caminhos até à aldeia.
Fora numa dessas viagens imaginárias que o vi pela primeira vez.
O sol, queimava-me a pele. "O verão, este ano, está mais quente do que o habitual" - ouvira dizer a meu pai tantas vezes.
O vestido às florinhas azuis tinha sido prenda da madrinha e o dia da visita do sr. Meireles era o dia ideal para o estrear. A mãe não queria que chegasse tarde. A D.Luísa tinha-nos convidado para lá ir jantar. Ao fim de muitos anos, o seu único filho regressava a casa. Ouvira dizer que tinha fugido por amor.
"- Não chegues tarde!" - disse a mãe.
Saí com a sacola dos livros. Hoje pesava mais do que o habitual. A paixão pela leitura fazia com que trouxesse cada vez mais livros para casa. O pai não gostava que lesse e a mãe, desde que não deixasse a casa por arrumar, não se importava muito.
Como sempre, o caminho até à aldeia era o mesmo, a imaginação é que mudava. Uns dias era um deserto, outros montanhas com neve, uma planície. Era uma amazona, uma terrorista, uma guerreira, uma princesa.
Ia assim com os seus sonhos, quando perto do riacho, encontrou um senhor com um olhar tão triste, diria que até já teria estado a chorar. Cabelo castanho escuro, olhos negros, tom de pele queimado pelo sol. Olhava fixamente para mim. Assustei-me um pouco e corri. Corri até não poder mais.
"Os livros!" Deixei lá os livros. E agora? Como os iria entregar? O que diria ao sr. Meireles?
Dei voltas e mais voltas. Como voltar lá? Não sabia quem era aquele homem.
Não podia ir falar com o sr. Meireles, não podia voltar ao riacho. Não podia dizer nada ao meu pai, pois nunca mais me deixaria ir à aldeia. O que iria fazer??
Sentei-me encostada à laranjeira. Os raios de sol passavam por entre a folhagem, e o cheiro a laranja inundava o ar. Fechei os olhos e pensei no rosto do riacho. Porque estaria triste e a chorar?
Não sei quanto tempo passou. "Acordei" com a voz da minha mãe.
Senti alguém perto. mas a voz da minha mãe parecia estar longe. O sol encandeava-me.
Tapei o sol com a mão, e bem perto de mim, estava o rosto do riacho. O que fazia ali? Ter-me-ia seguido? Quis chamar o meu pai, mas a voz não saía. Tentei levantar-me, mas as pernas não se mexeram.

(continua)

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